Em 1894 tomava posse Prudente de Morais, o primeiro presidente eleito da república, numa estranha eleição onde o candidato oficial era o único concorrente. Nos cem anos que se seguiram, a democracia no Brasil foi interrompida por dois grandes períodos de ditaduras e perturbada por tentativas de golpes de estado, dezenas de casuísmos eleitorais e oito diferentes constituições. A morte de Tancredo Neves no dia de sua posse, a eleição e o impeachment de Fernando Collor e agora a eleição de Fernando Henrique Cardoso são os últimos lances da tumultuada história da democracia no Brasil. A tentativa de consolidação de um governo do povo, pelo povo e para o povo, passa por uma questão fundamental: quem é, afinal, o povo? O monopólio das grandes redes de televisão, principais produtores do imaginário nacional, e o difícil acesso às manifestações populares e regionais numa sociedade de forte tendência centralizante e culturalmente colonizada, turvam a visão possível do que poderia ser o povo brasileiro. O fato éque, em nome do povo, sucessivos governos pouco têm feito para resolver a gigantesca dívida social ou mesmo para reverter a crescente concentração de riqueza nacional que nos levou àposição de pior distribuição de renda do planeta.
Eleições e Televisão
Eleições e Televisão
Nos últimos seis anos, desde a promulgação da atual constituição, houve nada menos que seis processos eleitorais no país. Ou mesmo dez, considerando que alguns foram realizados em dois turnos. Nos períodos pré-eleitorais, a legislação brasileira permite aos partidos políticos o acesso gratuito às redes de televisão e rádio. São raros momentos de diversidade numa programação televisiva que, embora apresente alto nível técnico e artístico, é marcada pela conformidade com padrões (políticos, estéticos, éticos, morais, narrativos, etc.) estabelecidos por um complexo sistema de interesses. Por outro lado, a inflação de eleições já referida, conjugada a uma inflação de partidos políticos (são mais de 40 registrados, todos com direito a lançar candidatos, e conseqüentemente com acesso às redes de TV) e mais uma verdadeira inflação de candidatos, exacerbam a diversidade a ponto de constituir uma experiência única. Radicais de todas as tendências, inclusive os neoliberais, corruptos notórios, políticos sérios e malucos diversos dividem, a cada nova eleição e por três meses, o espaço eleitoral gratuito na televisão e no rádio. Somente nesta última eleição, foram mais de dez mil candidatos a vender seus rostos, suas vozes, suas idéias, suas propostas, suas biografias, suas idiossincrasias, seus tiques nervosos e suas esperanças pessoais de serem eleitos a quase cem milhões de eleitores pelo país. As leis que regulamentam o acesso ao espaço eleitoral gratuito sofrem modificações a cada eleição, conforme os interesses da eventual maioria no congresso nacional. Esta programação se tornou, nos últimos anos, um excelente registro da política nacional. Até porque nestes programas, como era de se esperar, é marcante a presença do povo e dos que falam em seu nome. A dificuldade de acesso à programação das redes e a quase falência da indústria audivisual independente no país levaram muitos cineastas brasileiros, inclusive da Casa de Cinema de Porto Alegre, a trabalhar para os partidos políticos. O espaço eleitoral passou a ser, para alguns realizadores, o único canal de expressão audiovisual. E um dos únicos espaços onde a imagem do povo brasileiro foi registrada fora das crônicas policiais e das enquetes dos telejornais."
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